sexta-feira, 27 de julho de 2007

Nenhuma Ideia

Começa por um voo, seguindo numa linha rente à costa marinha, pairando metros acima da gravidade. Paira, assim, numa ebriedade insuspeita, como se tivessem limpo o registro do teu cadastro.

Hoje, avarias-te na propulsão das coisas mais leves que o ar – sustentáculos do céu. A inconstância, a espada segredada, ser-te-à motor afinado nas correrias quase pecaminosas. Aguardas a premonição do mar, o grito silencioso interior que te desperta a ponta dos dedos, e talvez um indício de visão.

Dá continuidade ao ser acorrentado dentro de ti, suspenso no ar rarefeito do teu hálito de mentol. Um laço que completa a justaposição da vida e do simples acto de respirar. Aqui, nesta cidade de áleas perdidas o teu mapa é feito de cinza, perdendo-se em tudo o que toca. Do cume da montanha mais alta ao calabouço da fauna marítima o vento afasta as cinzas que te perfazem num remoinho de perda existencial.

Saberás onde é o teu lugar neste mundo?

Saberás que estrada junto ao campo te leva à casa onde o teu corpo descansa?

Saberás adormecer um corpo no fogo volátil, limpando-nos do que poderia ter sido?

Dobras-te nua, enlaçada em seda, enquanto a luz tímida trespassa o escasso espaço deixado aberto na janela. Um murmúrio de vermelho vem englobar-te.

( Um barco atraca na Doca de Alcântara. Os marinheiros, portadores de peles pesadas e gastas, convidam a terra a reencontrar-se com os seus olhos. Ao fundo, já os bares começam a sua rotina de movimento, e já os copos tintilam um som de asas de mariposa. Uma viúva olha o rio, como se isso redimisse algum deus.)

Um vulcão entra em erupção – a lava escorre incandescente – no teu ventre.

A janela de oportunidade esgueira-se um pouco mais, afastando-se de ti enquanto convida a miséria a entrar para te fazer companhia. Apenas o tempo dirá se foste concebida para esta cama onde agora te esticas e fechas túneis de pirâmides escarlates oblíquas nos teus olhos perdidos no corpo de um estranho que volta para as suas tágides que lhe cantam no ouvido. Nunca foste mais do que um carril para percorrer o caminho até elas. Percebes agora como te enganaste no caminho e onde é o teu lugar na vida desta cidade.

Sombreias o tacto resplandecente até não ouvires mais o seu canto. O filme acabou. Tu permaneces aqui.

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